segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Competição e evolução

Existem muitas espécies de abelhas da tribo Meliponini, o que costumamos chamar de abelhas sem ferrão. São aproximadamente 300 espécies aqui na América do Sul e na Central. A grande maioria delas se alimenta de coisas semelhantes (pólen, néctar...) e são o que chamamos de generalistas, que visitam uma grande quantidade de espécies vegetais. Isso provavelmente vai gerar algum tipo de competição, não vai? E muitas vezes gera. Existem muitas evidências de que as abelhas sem ferrão podem competir ferozmente por alimento. A própria diferença nos tipos de comunicação e de exploração de recursos - recurso aqui é tudo que é importante pras abelhas sem ferrão... néctar, pólen, resina - que de que falei brevemente aqui, serve como um indício de que a vida das abelhas sem ferrão não é muito fácil. Por causa desse elevado nível de competição, elas adquiriram maneiras diferentes de explorar recursos, ao longo do tempo (pense em muito, muito tempo...). Não foi algo proposital; elas não decidiram que iam mudar isso ou aquilo, mas diferenças que existiam entre as espécies foram aos poucos sendo mantidas e potencializadas, é assim que a evolução funciona.
Evolução é uma coisa bem legal e o comportamento dos bichos também.
Acontecem trocas. Ninguém sai ganhando sempre. Então, existem basicamente três tipos de maneiras de se buscar e explorar recursos: 1) as abelhas podem forragear em grupo, ser agressivas e se especializar em recursos agrupados e muito "bons" e 2) abelhas forragearem sozinhas e evitarem esses recursos agrupados (por causa das agressivas), se especializando em recursos mais pobres e 3) as abelhas que ficam entre essas duas estratégias, podendo procurar alimento solitariamente e, após encontrar uma boa fonte, recrutar outras.
As abelhas que forrageiam em grupo e são agressivas precisam de muita comida, pra compensar o fato de muitas abelhas estarem juntas e as possíveis perdas em combate. Se os recursos fossem de baixa qualidade não ia compensar a energia gasta para defender esse recurso contra outras abelhas (se duas colônias de espécies agressivas se encontram, pode muito bem dar briga) e nem ia nutrir as abelhas que estivessem lá forrageando, no saldo total elas iam sair perdendo. Essas abelhas que forrageiam em "gangues" costumam demorar mais para encontrar alimentos, mas uma vez que encontram, costumam tomar posse dele e expulsar as abelhas não agressivas e as agressivas mas de colônias ou espécies mais fracas.
Já as abelhas não agressivas forrageiam solitariamente e "qualquer florzinha" é suficiente para elas: a planta não precisa ser capaz de alimentar 20 abelhas de uma vez. Além disso, encontram alimento muito rapidamente.
Em um estudo a respeito dessa competição, pesquisadores encontraram coisas interessantes. Eles analisaram cinco espécies de abelhas, de diferentes tamanhos e diferentes níveis de agressividade. Usaram para isso iscas artificiais, com glicose em concentrações decrescentes até chegar em água pura. Eles observaram que a maior abelha do estudo foi também a mais agressiva e que as iscas com maior concentração de glicose foram as iscas mais disputadas. Mas foi interessante que inicialmente até as iscas com água geraram briga e isso provavelmente é porque as abelhas que descobrem iscas novas associam todas elas com fontes de alimento, mesmo antes de provar o que tem dentro, já que com o tempo essas iscas deixaram de ser disputadas. Vale ressaltar aqui que "briga" pras abelhas muitas vezes são apenas comportamentos agressivos como trombadas ou mesmo ações como abrir as asas, que não causa dano nenhum. De vez em quando as coisas ficam piores como cortar partes do corpo de outras abelhas ou matar, mas isso só acontece quando nenhuma das outras formas mais brandas funciona, o que parece ser raro.
Outra coisa interessante foi que só a presença de espécies agressivas foi suficiente para que algumas abelhas mudassem o comportamento normal, por exemplo, demorando mais para pousar na isca quando uma abelha grande estava a vista.
Essas diferenças nas estratégias de alimentação, gera uma divisão ou "partição" ao longo do tempo.
Um grupo de abelhas se especializa em um tipo de recurso e um segundo grupo se especializa em outro. Estudando duas espécies de abelhas, uma que forrageia em grupo e outra que tem forrageamento solitário, em uma mesma espécies de árvore (da famílias do flamboyant... as abelhas gostam muito dessas plantas), foi visto que as abelhas que buscam alimento em grupo claramente preferem as árvores que ocorrem agrupadas (próximas umas às outras) e que tem uma maior quantidade de flores. Elas nunca iam em plantas solitárias. Por outro lado, as abelhas que buscavam alimento sozinho ocorriam mais frequentemente em plantas solitárias e até tentavam a sorte em plantas agrupadas e defendidas pela espécie agressiva. Se alimentavam por um tempo, mas acabavam sendo expulsas das plantas agrupadas. Então, elas usaram 4 vezes mais as plantas isoladas, que não são interessantes para as espécies que forrageiam em grupo.
Pra quem cria abelhas: não, não precisam e não devem sair matando tudo quanto é abelha grande, com medo de elas serem agressivas e atrapalharem "as suas". Mandaçaia é grande e não é agressiva, não forrageia em grupo, por exemplo. Ser grande é apenas um indício. Outra coisa, as abelhas se viram muito bem competindo há muuuuito tempo, você não precisa tentar dar uma mão a elas (às suas), se não, a atividade vai deixar de ser algo benéfico ao meio ambiente e vai virar algo ruim, porque algumas espécies vão começar a ter problemas. E apesar de as abelhas sem ferrão serem generalistas, algum tipo de diferença na dieta existe, como acabei de falar com essa questão de abelhas com um tipo de forrageio visitarem planas com uma determinada distribuição e as não agressivas visitarem outro grupo. Existem diferenças também em relação à altura das plantas que as abelhas usam... enfim, sumir espécie não é bom! Pode gerar um efeito cascata.
O ser humano tem que parar de ficar olhando só pro umbigo. Não tentem fazer da criação de abelhas sem ferrão o que fizeram com as Apis. Olha o problema que tem acontecido por lá... falei um pouco do problema aqui. Fiquei com medo de postar isso e começarem a matar abelhas por, querendo proteger as "meninas dos olhos", só que alguns amigos falaram que era legal, então resolvi fazer. Mas coloquem a mão na consciência e não façam da meliponicultura mais uma máquina de ganhar dinheiro e de sacanear as espécies inviáveis para criar ou as que não são economicamente importantes...

Senna pallida, a espécie com distribuição solitária ou agrupada, que falei acima. (fonte da foto)


Bibliografia:

- Hubbel, S.P. & Johnson, L.K. 1978. Comparative foraging behavior of six stingless bees exploiting a standardized resource. Ecology 59(6): 1123- 1136.
- Johnson, L.K. & Hubbell, S.P. 1975. Contrasting foraging strategies and coexistence of two bee species on a single resource. Ecology 56(6): 1398- 1406.

Um comentário:

  1. Olá Thiago!!!

    Gostei muito do post! achei bastante informativo e numa linguagem de fácil compreensão, da até pra usar em sala de aula pela fácil leitura e bom uso de termos mais técnicos como "generalistas" ou "especialistas", meus parabéns!!!

    Agora, uma dúvida que tenho (ainda não achei muita coisa sobre isso) as abelhas forrageiam primeiro uma espécie de planta para depois seguir pra outras? essa dúvida surgiu com o comentário de um colega, ele falou ter visto em algum lugar algo do tipo, tenho procurado, mas até agr tenho visto mais coisas sobre o comportamento social das abelhas com relação ao forrageamento, e não vi algo sobre a "preferência" de uma determinada espécie de planta.

    Caso possua alguma referência sobre tal coloque no blog, serei muito grato!

    Abraço!!

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