terça-feira, 12 de novembro de 2013

Polinização e campos elétricos

Estava fuçando na internet, sobre mamangavas, e li que elas conseguem sentir campos elétricos. Fui atrás da referência, li e achei bem interessante. Nunca ia imaginar isso e cada vez mais vejo como nós somos bem limitados em se tratando dos nossos sentidos. Somos "inteligentes" (só falta aprender a usar melhor isso), mas estamos longe de estarmos no "topo" em outras coisas. Tem bichos que vêem as cores com comprimentos de onda que não enxergamos; que escutam sons que não escutamos e por aí vai.
Vou falar das mamangavas hoje. Deixo pra depois uma outra coisa extremamente interessante sobre morcegos e polinização.
As flores querem ser polinizadas. Quando existe polinização cruzada, coisa que os insetos fazem muito bem, a quantidade e/ou qualidade dos frutos produzidos costuma ser maior. Então as plantas "inventaram" maneiras de deixar suas flores atrativas para os polinizadores. Elas tem meios de chamar atenção de insetos para elas. Pode ser através de cheiro, de som, cores - tanto as visíveis, como as flores do Flamboyant (Delonix regia), vermelhas, com uma pétala branca, vermelha e amarela, quanto as invisíveis, como padrões de UV, que não vemos, mas muitos insetos enxergam -... e até campo elétrico. Mas até hoje novos tipos de "convites" estão sendo descobertos.



Como nós vemos as flores, à esquerda e como insetos vêem, à direita, quando as flores são expostas a UV, lembrando que o Sol emite luz UV, então de dia é assim que as flores são vistas por bichos que enxergam UV; nós é que precisam de uma câmera especial.... Bela diferença, não? (fonte: http://www.dailymail.co.uk/sciencetech/article-473897/A-bees-eye-view-How-insects-flowers-differently-us.html)

E quando há mais de um tipo, por exemplo, cheiro e cor, a flor chama polinizadores mais eficientemente.
Bom, abelhas geralmente ficam positivamente carregadas enquanto voam, enquanto as plantas costumam ficar carregadas negativamente. Essa diferença costuma facilitar a transferência de pólen do inseto à flor e consequentemente, a polinização e a "carga" da flor muda quando o polinizador pousa e o pólen é transferido e a planta polinizada. Como qualquer tipo de sinal que aumente a eficiência com que a flor é encontrada vai ser mutuamente benéfico - pro inseto porque ele vai ter comida e pra planta porque vai ser polinizada - é de se esperar que acabe sendo explorado.
Isso que os pesquisadores foram verificar. Se as mamangavas (Bombus terrestris) conseguem perceber e usar essas informações sobre cargas elétricas, campos magnéticos e tudo o mais.
Primeiro os pesquisadores quiseram confirmar se as mamangavas realmente ficam positivamente carregadas ao voar. Chegaram a conclusão que sim: 94% de 51 abelhas analisadas tinham carga positiva. Após isso, quiseram descobrir se a mamangava (carga positiva) produz alguma alteração na flor (carga negativa), ao polinizar e mais uma vez viram que sim. Portanto, uma flor que já foi visitada fica "marcada" e outras mamangavas vão perceber e evitar essa flor, desde que essa diferença de carga possa ser percebida e esse foi o terceiro passo do estudo.
Para isso, primeiramente os pesquisadores montaram duas flores falsas. Uma com uma carga de 30 V, que tinha uma recompensa de sacarose. Outra flor era neutra (0V) e tinha quinino (um negócio ruim demais!). A ideia é que as abelhas aprendessem a diferenciar uma flor com voltagem X e com "néctar" gostoso, sacarose e outra flor, com voltagem Y e "néctar" ruim, porque em todos os outros aspectos as flores eram idênticas.
Ao longo de 50 visitas de mamangavas às flores, houve um aumento progressivo das visitas às que tinham sacarose, chegando a uma taxa de "acerto" de 81% nas flores com essa substância. Depois disso ambas as flores foram deixadas a 0V. Depois disso, olha que legal, as abelhas não mais distinguiam entre as flores, a porcentagem de "acertos" a flor com sacarose, caiu para 54%, o que na prática (estatisticamente), não pode ser considerado diferente de 50%, que é a mesma coisa que as possibilidades de sair cara ou coroa jogando-se uma moeda honesta para cima. Depois os pesquisadores fizeram a mesma coisa, só que com as flores carregadas com 10V (na outra eram 30V, lembram?) e as abelhas já não conseguiam distinguir entre as flores boas (sacarose) e ruins (quinino) e a mesma coisa aconteceu quando deixaram as duas a 0V de novo.


Aqui estão uns gráficos, pra facilitar. No (A), a gente vê a quantidade de escolhas certas (sacarose) que as mamangavas fizeram ao longo do tempo (número de visitas). No ON é onde as flores tinham diferença de voltagem e no OFF, vemos quando as flores foram colocadas na mesma altura e ficaram ambas com 0V. Quadrado vermelho foi no primeiro experimento (30V) e azul no segundo (10V). Em (B) a porcentagem de acertos no primeiro experimento, com a diferença de voltagem de 30V em ON e sem em OFF, o mesmo para o segundo experimento, com 10V.

Continuando...
Assim como vocês viram padrões invisíveis a nós nas flores iluminadas com UV lá em cima, também existem campos elétricos de diferentes padrões que flores produzem. Esses padrões podem ser vistos quando os pesquisadores cobrem as flores com partículas eletricamente carregadas. É mais difícil de ver que na UV, mas reparem que há diferenças na "coloração", que na verdade são diferenças no campo elétrico. A diferença de coloração é na verdade uma representação apenas, porque não sentimos esses campos elétricos.

Metade superior, sem nada e metade inferior, com as partículas carregadas. (fonte: http://blog.physicsworld.com/2013/02/22/flowers-and-bees-communicate-using-electric-fields/)

Então os pesquisadores quiseram ver se as mamangavas conseguiriam distinguir entre os campos elétricos de flores "boas" e flores "ruins". Para isso, criaram duas flores artificiais, com campos elétricos diferentes. Ao longo de 40 visitas, a porcentagem de acerto foi de 70% e depois de os pesquisadores igualarem os campos elétricos das flores boas e ruins, os acertos caíram pra 47%, de novo, indistinguível estatisticamente de 50%.
Por fim, em outros estudos foi provado que quando uma flor "chama" os polinizadores de mais de uma forma, os efeitos se somam e os polinizadores são mais eficientemente atraídos. Então, os pesquisadores quiseram verificar se com campo elétrico acontece a mesma coisa. Para isso, usaram informações visuais além do campo elétrico. Eram 2 flores, uma com uma cor e um padrão de campo elétrico com solução de sacarose e outra com outra cor e outro campo elétrico e solução de quinino. Aí separaram os efeitos: o número de visitas necessário para que as mamangavas conseguissem 80% de acertos usando apenas informações visuais (cor) e informações visuais + campo elétrico. O resultado foi que usando apenas informações visuais, as abelhas precisaram de 35 visitas para aprender o que é uma flor boa e o que é uma ruim, enquanto que com informações visuais e campo elétrico, foram necessárias apenas 24 visitas.
Resumindo: 1) As mamangas conseguem distinguir as cargas elétricas das flores que foram polinizadas e das que não foram. 2) Elas também conseguem perceber os padrões dos campos elétricos gerados pelas flores e 3) Se o campo estiver associado a outros tipos de sinais, as abelhas aprendem a discriminar entre flores mais rápido.

Ah sim! E aqui está o Bombus terrestris! É uma abelha social, que foi introduzida em vários lugares, inclusive Japão e parece estar causando problemas por lá. Não existia no Brasil, pelo que sei, mas chegou aqui também. Fazem ninhos no chão.



Bibliografia:

- Clarke, D., Whitney, H., Sutton, G & Robert, D. 2013. Detection and learning of floral electric fields by bumblebees. Science 340: 66-69.

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