quinta-feira, 14 de novembro de 2013

Mais um sentido diferente

Outro dia falei das mamangavas, que conseguem perceber campos elétricos em flores.
Os morcegos também tem um. Chamam de ecolocalização. Durante muito tempo ninguém entendia como os morcegos conseguiam voar tão bem a noite e isso ajudou a reputação nada boa deles, de serem seres "das trevas". Como sempre, a tendência do ser humano de jogar o que não entendem pra cesta do "é do diabo"...
Até que na década de 40, um pesquisador descobriu que morcegos emitiam sons de alta frequência, que serviam para mapear o terreno por onde voavam e até para detectar e perseguir presas, como mariposas, em pleno voo. Esse "sonar" era tão sensível, que podia detectar fios de até 1/4 de milímetro. Eles emitem sons que batem no que está a volta deles e retorna. Com isso eles conseguem obter informações como distância e tamanho do que está a sua frente pelos sons que retornam.

Esquema de como funciona a ecolocalização (sonar) dos morcegos. Isso é uma simplificação. (fonte)


Uma espécie da família do feijão, se aproveita desse sonar para ser polinizada por morcegos. Ela tem uma pétala côncava, especializada em atrair morcegos, produzindo fortes ecos quando o som do sonar bate. Quando essas pétalas são retiradas, as flores são visitadas menos vezes. Porém, não foi mostrado, para essa espécie, que essa pétala consegue fazer com que a planta seja localizada mais rapidamente (quantidade de visitas e velocidade de detecção não são a mesma coisa!) e nem que os ecos dessa pétala se sobressaiam entre todos os outros ecoes da floresta. O que acontece é que as folhas das plantas estão voltadas para várias direções e por causa disso, os ecos são refletidos em várias direções, mudando conforme a posição do morcego que está voando. Pense em uma sala de espelhos, você não vê sempre a mesma imagem enquanto anda, correto? Algo semelhante acontece com os ecos, nesse caso.
Acontece que uma espécie de liana (ou "trepadeira") cubana, que é polinizada por morcegos, tem uma folha, por vezes duas, em forma de pratos em suas inflorescências. Essas folhas tem o "cabo" (nome técnico: pecíolo) que as liga ao galho, torcido, de forma que sempre o lado côncavo das folhas fica voltada para fora, em direção a um possível polinizador. O formato das folhas, por sua vez se parece muito com o de objetos que produzem os tais ecos que não mudam independente de onde o morcego estiver, que falei acima.

A planta do estudo, Marcgravia evenia, de florestas úmidas. A= a folha em forma de prato, B= as flores propriamente ditas e C= bolsas de néctar para os morcegos.

Eles fizeram uma série de experimentos. Primeiro, testaram se os ecos das folhas realmente se mantinham constantes, comparando com ecos de folhas normais e o resultado é que a intensidade deles se mostrou mais constante do que a das folhas normais, permanecendo fortes em diferentes ângulos de incidência. Imaginando a situação de um morcego, essas folhas gerariam ecos intensos com eles em diferentes posições em relação às folhas em forma de prato, enquanto que o que acontece com folhas comuns é que a intensidade do eco que chega ao morcego diminui muito conforme ele se move em relação à folha.
Em seguida tentaram entender como os ecos das folhas em forma de prato mudavam e compararam isso com o das folhas comuns. Chegaram a conclusão que os ecos das folhas em forma de prato tem um "eco assinatura" que se mantém bem constante independentemente da posição do morcego em relação à ela, enquanto folhas normais retornam aos morcegos ecos bem diferentes conforme a posição do morcego em relação à ela muda. De novo, pensando no morcego, isso significa simplesmente que ele vai conseguir reconhecer a folha em forma de prato de diferentes posições, porque ela vai gerar o mesmo eco enquanto ele voa. Já folha normais produzirão ecos diferentes conforme o morcego voa, então não serão identificadas por ele.

Alguns gráficos que eles mostram no artigo. Não se preocupem, não é difícil de entender. No lado ESQUERDO estão (E) a força do eco que retorna da folha comum, em diferentes ângulos de incidência (-80 a 80 graus), repare como existe um pico e uma diminuição brusca e (I) o formato, ou "assinatura" do eco que retorna em diferentes ângulos, veja como como pequenas variações o "jeitão" do eco muda completamente. No lado DIREITO estão a força do eco que retorna da folha em forma de prato em diferentes ângulos de incidência, veja como é bem mais constante que o do lado esquerdo e (J) o formato ou "assinatura" do eco que retorna em diferentes ângulos, de novo, veja como existe um padrão constante com uma variação bem maior nos ângulos de incidência do som.

Esquema de como funciona a folha em forma de prato. (fonte)
Bom, isso tudo eles fizeram só com "modelos", ou seja, pegaram uma folha em forma de prato e uma folha comum, ligaram aparelhos que produzem som e fizeram esses testes. Em seguida, foram pra parte prática.
Pegaram um morcego que come néctar (nectarívoro), da espécie Glossophaga soricina e o treinaram a se alimentar em um alimentador artificial e mediram o tempo que ele levava para encontrar esse alimentador quando o mudavam de posição. Esse alimentador podia ser apresentado aos morcegos: 1) sozinho, 2) com uma réplica de folha comum ligada a ele ou 3) com a réplica de uma folha em forma de prato. Isso foi feito várias vezes.
O resultado foi que os morcegos demoraram mais para achar o alimentador sozinho e o alimentador com réplica de uma folha comum, enquanto que o alimentador com a réplica da folha em forma de prato foi encontrado sempre mais rápido.

Glossophga soricina em um alimentado artificial (esquerda) e na planta estudada no trabalho desse post (direita). (fonte da foto da esquerda e da direita)

Bibliografia:

- Simon, R., Holderied, M.W., Koch, C.U. & von Helversen. 2011. Floral acoustics: Conspicuous echoes of a dish- shaped leaf attract bat pollinators. Science 333: 631- 633.

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